Gilson é entrevistado pela Revista Vislun
Em Foco – Onde você nasceu? Infância e adolescência? Ensino fundamental e médio?
Gilson Martins – Nasci no Alto do Santo Cristo, Morro do Pinto, no centro do Rio. Terras de Barão de Mauá vendidas para Antônio Pinto. Esse bairro foi fundado no final do século 19 por portugueses que vieram trabalhar na região portuária. É uma área repleta de cultura, com dois clubes de futebol, clubes políticos e clubes de baile, os blocos de carnaval “Eles que Digam” e “Independente do Morro do Pinto”, bloco que eu frequentava com a minha família. Na ruada minha casa havia a igreja Nossa Senhora de Montserrat e a Igreja de Santo Cristo na parte baixa do bairro. Minha infância foi rodeada de familiares que moravam em casas próximas – avós, tias, primas e primos. Era uma infância saudável, brincando com a vizinhança e primos, desfrutando de brincadeiras como pipa, peão, bolinha de gude e queimado. As festas de São João e Cosme Damião eram as paixões da infância, e eu rezava para que o tempo fosse bom e tudo funcionasse bem nesses dias.
Iniciei meus estudos na escola do próprio bairro, a General Mitre, onde frequentemente era escolhido para hastear a bandeira. Em seguida, ainda no Santo Cristo, estudei no colégio Benjamim Constant. O ensino médio foi realizado no Colégio Estadual Antônio Prado Júnior, na Tijuca. Todos os estabelecimentos de ensino eram públicos.
Em Foco – Qual é a sua formação? Quais foram os professores que mais lhe agradaram? Quais as cadeiras que mais te interessaram?
Gilson Martins – Minha formação acadêmica é em cenografia e indumentária pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Durante minha trajetória escolar, alguns professores marcaram minha vida de maneira significativa. No ensino fundamental, destaco Maria Teresa, que era muito doce e paciente. Já na universidade, tive muitos professores que foram fundamentais para meu desenvolvimento, incentivando meu trabalho e participação em bolsas dentro da instituição. Eu era um exemplo de aluno dedicado, já envolvido em projetos para o futuro. Entre esses professores, destaco Maria Augusta Rodrigues, Beth Filipeck e minha grande amiga até hoje, Cecy Kremer. As disciplinas que mais me cativavam eram história da arte, filosofia e desenho em geral.
Em Foco – Quando você começou a se interessar pela produção de bolsas?
Gilson Martins – Desde o primeiro período da faculdade, as bolsas e a minha trajetória acadêmica se entrelaçaram. Comecei a vender uma mochila que confeccionei para mim, utilizando um material inovador, para colegas, professores e funcionários da Escola de Belas Artes. O sucesso foi rápido, e logo passei a fornecer para lojas e marcas renomadas de Ipanema. Essa experiência empreendedora se misturava com o aprendizado da faculdade, enriquecendo minha formação. Além disso, minha habilidade em costura foi cultivada desde cedo, influenciada pelos meus pais, que trabalhavam com confecção de roupas e decoração. Essa fusão entre estudo e prática moldou minha jornada acadêmica e profissional.
Em Foco – Defina o conceito de bolsas escultura.
Gilson Martins – A bolsa escultura é um verdadeiro laboratório de peças de arte em forma de bolsa, onde o uso de materiais com outras funcionalidades cria uma estranheza fascinante nos espectadores. Neste contexto, a funcionalidade da bolsa fica em segundo plano, enquanto a contemplação estética do objeto é o foco principal, buscando despertar curiosidade e questionamento. Essa abordagem pioneira em arte experimental desafia as convenções tradicionais, explorando novas formas de expressão e incentivando uma visão mais ampla sobre o que pode ser considerado como arte. A bolsa escultura transcende as fronteiras entre moda, escultura e arte visual, oferecendo uma experiência única e provocativa para quem a observa.
Em Foco – Como surgiu a ideia de utilizar a bandeira do Brasil na moda? Qual foi a importância do apoio do governo federal na criação da nova marca Brasil, que passou a ser referência de seu trabalho no mundo inteiro?
Gilson Martins – As bolsas do Brasil surgiram a partir de um pedido da Blue Man, que na época eram meus clientes. Desenvolvi bolsas com a bandeira do Brasil como acessórios para um desfile de moda praia realizado por eles. O sucesso surpreendente do desfile levou à introdução das bolsas como uma nova linha da minha coleção. Em seguida, lancei a coleção em um grande desfile na semana de moda, o que resultou na disseminação do trabalho por todo o Brasil.
O trabalho chamou a atenção de um membro do Ministério da Cultura baseado no Rio, que se encantou com a ideia de usar a moda da bandeira do Brasil como uma nova forma de divulgar o país ao redor do mundo. Recebi todo o apoio necessário, incluindo a chancela de que fui o pioneiro dessa criação. A partir desse reconhecimento, as bolsas circularam nas mãos dos clientes e em diversos eventos e marcas, promovendo de forma significativa a imagem do Brasil por meio dessa criação inovadora.
Em Foco – De que forma a sustentabilidade aparece no seu trabalho?
Gilson Martins – O compromisso com a sustentabilidade está profundamente enraizado em minha prática, sendo influenciado pelo exemplo de aproveitamento de materiais descartados que presenciei em minha construção familiar. Esse pensamento orgânico de reaproveitar recursos foi transmitido por meio das ações de meus pais, que transformavam sobras de tecidos em novas almofadas, poltronas e roupas, demonstrando um forte compromisso com a redução do desperdício e a valorização dos recursos disponíveis.
Hoje, essa abordagem sustentável está integralmente incorporada ao meu trabalho, onde emprego diversas técnicas de aproveitamento de materiais para criar novos produtos, como bolsas, acessórios, objetos de decoração e até obras de arte. Utilizo conceitos como upcycling, que consiste em dar um novo propósito a materiais ou produtos descartados, elevando seu valor e prolongando sua vida útil. Além disso, pratico o uso de materiais sustentáveis e métodos de produção eco-friendly em todas as etapas do processo criativo, garantindo que meu trabalho contribua para a preservação do meio ambiente e promova uma economia circular. Esse compromisso com a sustentabilidade não apenas guia minha prática artística, mas também reflete meus valores pessoais de responsabilidade ambiental e consciência social.
É importante destacar que muitas empresas me procuram para desenvolver esse tipo de produto, reconhecendo o valor da sustentabilidade em suas operações e buscando alinhar suas práticas com princípios éticos e ambientalmente responsáveis. Essa parceria com empresas interessadas em promover a sustentabilidade amplifica ainda mais o impacto positivo de meu trabalho, estendendo sua influência para além do âmbito artístico e contribuindo para a construção de um futuro mais consciente e sustentável.
Em Foco – Qual é a “metodologia” que você utiliza para a confecção das suas produções?
Gilson Martins – O processo de criação das minhas coleções é uma fusão entre seguir as tendências tradicionais de verão e inverno para atender aos clientes que buscam esse formato, e explorar livremente minhas criações aleatórias, que surgem a partir de percepções e intuições do dia a dia. O que mais me apaixona é justamente essa liberdade de experimentar e inovar, utilizando materiais não convencionais como o grande diferencial do meu trabalho. Desde materiais automobilísticos a decorativos, passando por itens de vestuário e construção, tudo é transformado em bolsas através do meu olhar criativo.
A possibilidade de explorar e dar nova vida a materiais diversos é o cerne do meu processo criativo. Tenho a sorte de contar com uma fábrica própria, onde produzo tudo internamente, garantindo o controle total sobre o processo de fabricação e buscando sempre o melhor em termos de qualidade. Cada peça que sai da minha fábrica é única, carregando consigo não apenas a história dos materiais que a compõem, mas também a minha dedicação e paixão pelo processo de criação. Essa abordagem artesanal e autêntica é o que define verdadeiramente o meu trabalho e o torna tão especial para mim e para os meus clientes.
Em Foco – No mercado, quais são os seus principais clientes?
Gilson Martins – No varejo, em minhas lojas, atendo uma ampla gama de clientes de todos os estilos e idades. Produtos simples, funcionais e duráveis agradam a todos os públicos, e é comum ouvir deles que o único problema das bolsas é que duram demais. Em tom de humor, costumo responder: “Agora entendo porque não fiquei rico”.
Além do varejo tradicional, também contamos com muitos clientes do segmento corporativo, como Coca-Cola, L’Oréal, Tim, entre outros. O interesse dessas empresas pelo meu trabalho é notável, pois valorizam a singularidade e a qualidade dos produtos oferecidos. Afinal, para elas, é crucial associar suas marcas a produtos que transmitam excelência e originalidade.
Atualmente, meus principais clientes são da rede hoteleira, lojas de souvenirs e o Flamengo, para o qual sou marca oficial de bolsas. O interesse dos clientes corporativos destaca ainda mais a qualidade e a singularidade do meu trabalho, consolidando a reputação da minha marca no mercado.
Em Foco – O Rio de Janeiro te inspira. Como a cidade aparece em suas produções artísticas? Deixa uma mensagem para os seus admiradores.
Gilson Martins – Nasci e cresci no Rio de Janeiro, onde os ícones como o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor e outros pontos turísticos eram como brinquedos para mim. Da minha casa, eu via os Arcos da Lapa, a Central do Brasil, a Ponte Rio-Niterói e a igreja da Penha. Essa cidade incrível sempre inspirou minhas criações ao longo da minha carreira. Incorporar esses elementos em meu trabalho não apenas homenageia minha cidade natal, mas também compartilha sua beleza e cultura com o mundo.
Estou buscando uma parceria empresarial para expandir minha marca e minha música, com foco na internacionalização. Meu novo EP, composto por cinco músicas originais, marca o início de uma série anual de lançamentos. Busco uma empresa visionária para fortalecer nossa presença no Brasil e explorar novos mercados globais. Estou aberto a colaborações que compartilhem nossa visão de homenagear o Rio através da arte e da música.
Para os meus admiradores, expresso um enorme agradecimento pela sua fidelidade e pelos tantos elogios e histórias que compartilham comigo sobre encontros e conexões através da minha criação. É graças ao apoio e reconhecimento deles que minha jornada ganha significado e inspiração. Cada palavra de incentivo e cada experiência compartilhada enriquecem não apenas o meu trabalho, mas também a minha vida. Agradeço por fazerem parte dessa jornada e por tornarem possível a realização dos meus sonhos. É com humildade e gratidão que continuo buscando me superar e oferecer o melhor de mim em cada criação. Eles são verdadeiramente parte essencial do meu sucesso e da minha trajetória.